segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Reformar

O que possui a Reforma de tão grandioso? Será o rompimento completo com a Igreja Romana, com as indulgências e com a autoridade dos Papas? Por um lado sim, por outro, não.

Essencialmente o problema não estava na Igreja Romana, mas nas motivações das atitudes de grande parte dos seus fiéis e líderes. E quais motivações poderiam ser essas? Poderiam me perguntar. As mais pecaminosas e torpes possíveis, responderia.

O erro da igreja estava em justificar a salvação, ou a posse da vida eterna, como um movimento humano de obtenção através de obras e ações. Daqui surgem, então, indulgências, sacramentos vários, penitências, etc. Ser cristão consistia, portanto, em viver em constante tensão com o pecado, num ciclo de pecado-perdão-pecado, sendo que o perdão advinha de punição. Vivia-se contabilizando a salvação, ao buscar maior número de boas ações do que de quedas.

Com a Reforma, tudo isso muda. Em que sentido? No sentido da salvação, pela graça. Deus vocacionou seus filhos, os elegeu para serem servos. A salvação independe do que sou, fui escolhido antes de ter praticado o bem ou o mal, para que a eleição permanecesse naquele que elege, não em mim.

Essa pequena reforma, entretanto, não nos conduziu à negligência. Pois poderia um leitor astuto perguntar: se não depende do que sou, posso ser o que desejar, e mesmo assim obter a salvação. Parece-nos certo, mas não é. Diferentemente da Igreja Romana, a salvação não é resultante de meu esforço ativo em direção a Deus. Para nós, Cristo não é apenas objetivo, mas também ponto de partida. Assim, a salvação não pode ser confirmada, por obras; o que faço é viver, digno de meu chamamento. O que faço, minhas obras cristãs e a santidade que almejo, tudo, é reflexo de Cristo, que em mim vive.

Nossas vidas, portanto, são estruturadas a partir de Cristo. Vivemos em constante tensão com a Vida, não com o pecado. Nosso Deus não exige apenas ações isoladas, mas ética. Não momentos esporádicos de santidade, porém um modo de viver santo, digno de homens separados, pelo próprio Deus.

Não existe salvação meritória, mas graça poderosa e irresistível.

Não há vida profana separada de vida sagrada. O que há é consagração plena à vida que viveremos em Cristo, apenas pela fé. Cada suspiro de meu ser busca a Deus. Tudo em mim deve existir sob o prisma da vocação, para a qual fui alcançado. Aqui se estabelece nossa relação com Deus; relação de tensão com a Vida, que consiste em perder a segurança própria para receber a do Cristo.

Nesse ponto tudo está em conflito, pois o bem que quero não faço, mas sim o mal. Essa tensão não me deixa abandonar por completo o pecado, mas somente assim posso agir por um fim último: amar a Deus. Só assim, posso dizer pela fé que vivo para Deus, não para mim.

Assim, a Reforma rompeu com a Igreja Romana, com seus dogmas e erros, mas antes rompeu com o pensamento humano-soberbo, que julgava ter em suas mãos a vida eterna. A Vida está em Cristo; ele é a Vida. A nós cabe apenas viver a vida que ele vive, pela fé, não por obras.

O que diremos então de praticar boas obras? Não mais as faremos? Deixaremos tudo em Deus? Não, pois em Deus está o realizar de todas as coisas, mas Ele nos escolheu para que vivamos em relação, respondendo ao nosso chamado, ansiando por viver uma vida coerente, em santidade, fazendo o que O agrada. Viver como cristozinhos não é uma opção para nós, nem um desafio; é, antes, uma ordem (Amai). Boas obras, para nós, é um modo de Deus agir através de nossa vida, que nos faz coerentes com o que somos: cristãos.


“Deus escolheu os crentes, mas para

que o sejam e não porque já o eram.”

Agostinho

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